Idosos em situação de risco: que respostas?

Idosos em situação de risco: que respostas?



Introdução
O trabalho versa sobre a intervenção e o encaminhamento que pode ser feito ao caso do Sr. Manuel, fornecido pela Professora Carla Ribeirinho, como um método de avaliação final da Unidade Curricular referente a Metodologias de Intervenção e investigação no âmbito da Violência Doméstica II, que se insere no Mestrado em Riscos e Violências nas Sociedades Atuais: Análise e intervenção Social.
Este trabalho, na sua forma inicial, mostra em resumo o que pode ser feito, posteriormente, explica os fatores de Risco aos quais Sr. Manuel encontra-se submetido, mostra o procedimento da intervenção em rede, os aspetos a validar no caso em estudo, a importância da intervenção contínua, e por fim revela as barreiras que o profissional enfrenta para a responsabilização do agressor.
De realçar que em Portugal, 3 pessoas na terceira idade são diariamente vítimas de violencia doméstica, de acordo com as estatisticas da APAV


1. Estratégias de Intervenção: tendo em conta a problemática, uma das coisas que se pode fazer é aconselhar ao Sr. Manuel a procurar os serviços de Apoio à Vítima (APAV) da sua área de residência, explicando-lhe que lá poderá ter algum apoio com os técnicos especializados. 
- Quanto à criança deverá ser sinalizada a Comissão de Proteção a Crianças e Jovens, não só porque assiste aos maus tratos, que o seu pai infere contra o avô, mas também porque às vezes tem faltado à escola devido a saúde do avô. Todos esses fatores encontram-se plasmados na lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo especificamente no artigo no 3., em que o crime o caso dessa criança se enquadra.
- Quanto ao seu filho, que para além de ser o potencial agressor, possui um passado de toxicodependente, o que aumenta o grau de risco do Sr. Manuel, torna-se fundamental que antes de qualquer denúncia, se assegure a segurança do Sr. Manuel. Visto que, segundo a APAV (2010) e Carvalho & Pinto, o maior objetivo de atuação em caso de violência funda-se em proteger a vítima e responsabilizar o agressor. Sendo que o Sr. Manuel se mostra receoso em admitir a vitimação, a Secretaria da Saúde adverte que é importante que o profissional deve sensibilizar a vítima, no sentido de fazer perceber que a sua colaboração é importante para o seu bem-estar, e que somente com a sua colaboração é que os profissionais podem ajudar e repor a tranquilidade e dignidade que o Sr. Manuel merece.
Ademais, a visão da dra. Raquel Moreno[1] sobre este caso, é de que “Porque o Sr. Manuel se encontra numa fase já avançada, possivelmente estará a negar as agressões do filho por medo que este último vá à cadeia, nesta sequência, é preciso fazê-lo perceber que caso seu filho seja culpado, o denunciar as autoridades não significa que o mesmo possa ir a cadeia, mesmo que tenha cometido um crime… as cadeias estão superlotadas, e o Ministério Público utiliza outros procedimentos, como por ex. a prestação de serviços à comunidade.” (sic). A dra. Moreno, acrescenta que porque o filho do Sr. Manuel tem um passado de toxicodependência e subtrai objetos para à venda, seria importante também procurar explorar mais sobre a situação, para perceber se está a ser acompanhado ou se precisa ser acompanhado.
-Estando o Sr. Manuel a ser acompanhado por um técnico especializado, dever-se-á primeiro procurar saber, sobre a sua rede primária de apoio, ver se tem algum familiar que lhe possa ajudar.  
- O técnico deverá de acordo com o Manual Títono (2010) pautar por uma boa comunicação, sendo que o Sr. Manuel já se contradiz no discurso, negando qualquer potencial de ofensa, pese embora tenha referido que é vítima de maus tratos por parte do seu filho, e que este lhe subtrai bens.
- Uma vez que o Sr. Manuel não pretende sair da casa, e porque os atendimentos devem respeitar a vontade do utente, poder-se-á contactar as seguintes instituições de apoio:
- Câmaras municipais- serviços de ação social e de habitação social para perceber como encaminhar rigorosamente à situação da vítima;
- Programa de Apoio 65- Idosos em Segurança: trata-se de um projeto da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia da Segurança Pública (PSP) que visa promover e garantir a Segurança e a tranquilidade das pessoas idosas.
- Serviço de Apoio Domiciliário, este serviço, apesar de ser talvez o mais adequado ao Sr. Manuel, poderá ter alguma dificuldade, visto que somente aufere 300 euros, contudo, o assistente social da sua junta de freguesia poderá saber como proceder, sendo que o Sr. Manuel não pretende sair de casa. Mas vemos aqui que precisa de apoio domiciliário para a sua higiene pessoal e habitacional, a lei prevê esses cuidados.

 

Conhecer os fatores de risco que a pessoa está sujeita, revela-se deveras fundamental para o profissional de atendimento, pois permite que sejam adotadas e implementadas estratégias de prevenção da violência.
São vários os fatores que podem potenciar a violência contra a pessoa idosa, não se ira indicar todos, isto porque está a se analisar um caso específico, assim sendo, no caso em causa, são considerados fatores de risco os seguintes
Ø  Os problemas de mobilidade que o Sr. Manuel enfrenta, oriundos do AVC que teve no passado.
Ø  O perfil do filho, uma vez que este tem um passado de toxicodependência;
Ø  A possível dependência económica do seu filho;
Ø  A falta de uma pessoa capaz de ajudar o Sr. Manuel e a criança a seu cargo;
Ø  Questões culturais, visto que, com a sua idade, acredita-se que o Sr. Manuel normaliza a violência, ou tem vergonha, pode ainda culpabilizar-se pelo comportamento do seu filho, o que lhe torna mais vulnerável, APAV (2010), Martinho (2016) e Secretaria da Saúde (2007).
Para Martinho (2016) poderão estar evolvidos problemas sociais, tais como o isolamento; ainda ao nível familiar podem ter aqui um passado de violência, o que se chamaria violência geracional, porém, sobre esta questão autores Lourenço (1997) e Manita et al.,  (2009)  e APAV (2010) alertam que é preciso que se tenha cuidado com a dita violência geracional, dado existirem adultos que foram violentadas na infância, tanto de forma direta, como da forma indireta, mas que não reproduziram esses modelos de comportamento. Aliás, a literatura também adverte que maior parte dos que estão hoje na defesa contra a violência, foram no seu passado vítimas, e, optaram por combater a continuidade do fenómeno e não foram seus reprodutores.
Martinho (2016) mostra ainda a complexidade do fenómeno da violência, e aponta que a sua intervenção deverá ter em cota o Modelo ecológico, em que a nível micro considera-se a indivíduo, família; a nível meso há que ter em conta a comunidade na qual se encontra, e por fim, a nível macro, ver das organizações, da sociedade.

A colaboração com as instituições supracitadas precisamente na parte I, mostra adesão daquilo que tal como o V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e do género (2014-2017), Carvalho & Pinto (2014), Gonçalves (2006), assim como o Manual Títono da APAV (2010) aconselham que dada a complexidade da problemática, há uma necessidade de se valorizar o trabalho em rede, privilegiando sempre as equipes interdisciplinares e multidisciplinares, de modo que a intervenção seja de “qualidade, adequada, célere, ética, e que contribua para a melhoria da proteção efetiva de vítimas de violência doméstica” (Carvalho & Pinto, 2014, p. 345).
Carvalho & Pinto (2014) consideram que a intervenção em rede traz imensas vantagens não só para as vítimas, mas também para os próprios profissionais que intervêm no processo de apoio. Neste sentido, para a vítima é fundamental que se reveja a possibilidade de poder receber o apoio da sua rede primária (família, amigos), porém tal possibilidade só pode ser tida em conta se não coloca em risco a vítima.
No concernente aos profissionais, o trabalho em parceria poderá possibilitar que estejam em segurança, uma vez que poderão contar com os profissionais da polícia, da saúde, da área jurídica, serviços locais de solidariedade social e não só. Neste processo, os profissionais devem ter a atenção de não tomar a vítima como um agente passivo, é preciso envolver a vítima em todas fazes do processo de apoio.

A intervenção com a pessoa idosa, deve ter em conta as especificidades que essa faixa etária apresenta. Trata-se na sua maioria de pessoas sensíveis, devido as experiências por si vivenciadas ao longo do percurso.
É preciso envolver os idosos na tomada de decisões referentes a sua vida, ter o respeito pelo princípio de autonomia da vítima
“Ao longo de todo o processo de apoio, as possíveis respostas às necessidades devem ser sempre estudadas em conjunto com a pessoa idosa vítima: cabe-nos construir e analisar consigo as várias alternativas de resolução dos problemas e informá-la, rigorosamente, dos seus direitos; por sua vez, cabe-lhe, enquanto sujeito ativo, tomar as respetivas decisões. Só assim, respeitaremos os seus direitos e a sua dignidade e individualidade” (APAV, 2010, p. 125).
Neste sentido, o profissional deve explicar as vantagens e as desvantagens de cada uma das possibilidades que a utente dispõe, de modo a promover a decisão informada.
No caso do Sr. Manuel, que mesmo tendo dificuldades de mobilidade, não deseja sair da sua morada, pese embora esta se encontre no 3º andar sem elevador, o profissional deve respeitar esta decisão, sobretudo porque, como refere Gonçalves Rosas (2015), a ligação mais forte que idoso tem, para além da sua própria sua família, é com a sua casa. Desta feita, qualquer que seja adversidade, o Sr. Manuel, vai preferir enfrentar em seu ambiente habitacional. Porém, o meio ambiente onde reside a pessoa idosa, nem sempre é um fator facilitador, Gonçalves Rosas (2015) alerta que a casa pode ser considerada um ambiente condicionador do bem-estar do idoso.

Pelo que se observa, o caso do Sr. Manuel não é necessariamente uma situação em crise, aliás, visto que, quando abordado de forma assertiva, nega qualquer mau trato por parte do filho. A intervenção contínua se revela fundamental, de modo a conseguir obter algumas informações que incriminem o filho-agressor. A intervenção continua vai permitir estabelecer uma relação de confiança com o Sr. Manuel, fator indispensável para a desocultação da violência.
A perspetiva de Secretaria de Saúde (2007), APAV (2010) e Carvalho & Pinto (2014), fundamenta-se no pressuposto de que, no processo de intervenção, torna-se imprescindível a
·       Comunicação autêntica;
·        Criar uma empatia com o utente;
·         Adaptar a linguagem cultural da pessoa idosa;
·       Torna-se de igual modo crucial que o profissional forneça um ambiente seguro para o atendimento;
·       Propiciar um ambiente relaxado;
·       Não emitir juízos de valor;
·       Cuidar aspetos inerentes a comunicação não-verbal;
·       Assegurar a confidencialidade do atendimento;
Esses são alguns dos aspetos que possibilitarão com que a pessoa idosa se sinta seguro para expressar a sua situação.  
A intervenção junto da pessoa idosa não é um assunto fácil, por via disso, APAV (2010) apela que o profissional que atua nessa área não pode ficar estagnada, deve atualizar seus conhecimentos, consultar com frequência a literatura que retrata sobre os comportamentos da pessoa idosa vítima de violência, nomeadamente Gerontologia ou Psicologia do envelhecimento, Sociologia, Direito, Vitimologia e Serviço Social. A continua consulta destas áreas, permitem atualização dos procedimentos e consequentemente, uma intervenção com qualidade. Outrossim os profissionais deverão frequentar reuniões, conferencias, debates, cursos de formação, de forma a garantir o progresso contínuo do nosso conhecimento.

De acordo com Carvalho &Pinto (2014), a visão de um atendimento de vítima de violência deve ser apoiar a vítima e responsabilizar o agressor. O fato é que dada a delicadeza da intervenção com a pessoa idosa, nem sempre consegue-se identificar o agressor. Este impasse, na sua maioria, como revela a Secretaria da Saúde (2007), acontece porque o idoso tem medo de assumir que o seu filho é o agressor, culpabilizando-se de ter falhado na sua educação. O medo da vítima sofrer represálias; medo que o agressor se torne mais violento e reposição do risco em sua vida; chantagem emocional por parte do agressor; descrédito em relação aos profissionais e o sistema de justiça; acreditar que ser maltratada faz parte do processo de envelhecimento;




Atuar neste caso não foi trabalho fácil, sobretudo porque trata-se de uma intervenção “indireta”, na medida em que o Sr. Manuel não esteve em meu Gabinete. Foi um desafio interessante, visto que ao terminar o curso, este será o tipo de problemas com os quais irei me deparar. Às vezes torna-se difícil, pois não raras vezes o profissional encontra-se inserido num dilema entre aquilo que é a ética profissional e aquilo que seria “adequado” fazer.
A literatura ajudou muito a perceber questões fundamentais para a intervenção, sabe-se que a violência nos idosos é um problema multifacetado, por isso, a perspetiva ecológica foi fundamental para perceber no processo de intervenção, se o senhor Manuel tem alguém da família que lhe possa ajudar, ao mesmo tempo que temos várias instituições prestadoras de cuidados, capazes de auxiliar o Sr. Manuel dentro dos recursos disponíveis. Para além disso, esta perspetiva ajuda a perceber quais podem ser os fatores que concorrem para a efetivação ou não de dada resposta. Desde fatores individuais, familiares comunitários e institucionais.
É preciso validar a vontade do idoso, não lhe considerar como agente passivo, as decisões devem ser informadas. Ademais, todo o processo de intervenção em situação de violência e/ou de crime deve ter em conta o seguinte princípio: proteger a vítima e responsabilizar o agressor. Este princípio estende-se para a questão da obrigatoriedade da denúncia por parte dos profissionais, no sentido de que somente deve ser feita se se calculou o risco, e se assegura a segurança da vítima, para tal, um trabalho em equipe interdisciplinar e multidisciplinar se revela imprescindível.
A intervenção em rede foi também um aspeto importante, na medida que se explorou várias possibilidades do encaminhamento do caso, uma vez que reconhecer os limites da nossa atuação e aceitar que existe organismos que melhor podem intervir é uma qualidade que se adquire com a formação e que deve ser implementada no campo de atuação. A formação é igualmente considerada um aspeto essencial para que o atendimento seja de qualidade e para evitar questões de revitimação ou vitimação institucional.



Bibliografia
APAV. (2010). Manual Títono para o atendimento das pessoas idosas vítimas de violência. Lisboa.
CARVALHO, M. I., & PINTO, C. (2014). Serviço social: teorias e pr­áticas. (1st.ed., pp. 313-345) Lisboa, PACTOR.
GONÇALVES, Célia Afonso (2006). Idosos: abuso e violência. Rev Port Clin Geral, 739-745.
LOURENÇO, N., LISBOA, M. & PAIS, E. (1997). A violência contra as mulheres. Cadernos da Condição Feminina, Comissão para a Igualdade e para o Direito das Mulheres.
MANITA, C. (coord.), RIBEIRO, C. & PEIXOTO, C. (2009). Violência Doméstica: compreender para intervir, guia de boas práticas para profissionais de instituições de apoio a vítima. (Vol. 2, pp. 43-58), Lisboa, CIG.
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. Lei de proteção de crianças e jovens em perigo. Disponível em: Lei n.º 147/99. D.R. n.º 204, Série I-A de 1999-09-01.
GONÇALVES ROSAS, Idalinda da Conceição. (2015). Vulnerabilidade, Risco e Violência: que medidas de proteção? Porto, Instituto Superior do Serviço Social do Porto. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/10553/1/Idalina%20da%20Conceição%20Gonçalves%20Rosas.pdf.
MARTINHO, Ana Sofia da Silva. (2016). Maus-tratos de idosos. Coimbra, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/33369/1/tese.pdf.
 MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE. Normas que regulam as condições de implantação, localização, instalação e funcionamento dos serviços de apoio domiciliário. Disponível em: Despacho Normativo n.º 62/99. D.R. n.º 264, Série I-B de 1999-11-12.

SECRETARIA DA SAÚDE. (2007). Violência doméstica contra a pessoa idosa: orientações gerais. São Paulo, Coordenação de Desenvolvimento de Programas e Políticas de Saúde. Disponível em: http://midia.pgr.mpf.gov.br/pfdc/15dejunho/caderno_violencia_idoso_atualizado_19jun.pdf.
V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género (2014- 2017), disponível em: https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2014/01/V_PL_PREV_COMBATE.pdf.





[1] Psicóloga clínica e Técnica de Apoio à Vítima da APAV de Lisboa.

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